15/10/2019

Professora de Cosmópolis fala sobre desafios e alegrias em sala de aula

No dia do professor, Edna Peretti expressa o amor pela profissão e relata como supera a perda dos filhos e esposo através do ensino

Letícia Leme 

Em 15 de outubro é comemorado em todo o território nacional o “Dia do Professor”. Nesse mesmo dia em 1827, Dom Pedro I instituiu um decreto que criou o Ensino Elementar no Brasil, por isso a escolha de tal data. A professora de Cosmópolis Edna Peretti, em entrevista cedida ao Portal Cosmopolense, aponta os obstáculos e alegrias que o exercício da profissão traz.

É na sala de aula que a cosmopolense supera a morte dos filhos e esposo. Segundo ela, a arte de ensinar desempenha um papel fundamental nesse processo de superação. “Eles me ajudam a cicatrizar a grande ferida que eu trago no meu coração, é uma ferida muito grande. Mas é um prazer e eu faço com a amor a minha profissão”, relata.

Leia a entrevista completa:

Foto: Captura da entrevista de Edna concedida ao ‘Nucleo Produtora de Vídeo’. Assista abaixo:

Há quanto tempo você é professora? Iniciei minha profissão há 21 anos. Em 1998 eu me formei no Magistério e eu já era casada. Fiz quatro anos do curso e quando estava no segundo ano comecei a trabalhar como estagiária na prefeitura. Depois eu fiz quatro anos de pedagogia, fiz educação artística e filosofia também.

Como foi a escolha da profissão? Desde a época de criança, quando eu ia para a escola, tinha uma carinho muito grande pela minha professora do jardim da infância. Me lembro muito bem dela, do carinho que ela tinha por nós e aí eu fui gostando daquilo, da atenção e o aprender das primeiras letras, o ler com as professoras. No entanto, eu só fui realizar esse sonho de ser professora depois que eu estava casada. Eu não tinha estudo e meu marido me incentivou muito a estudar. Eu fiz o supletivo,  para poder entrar no magistério. Então o gosto veio desde criança mesmo, e meu marido me incentivou muito e eu fui.

Quais as maiores dificuldades de um professor na sala de aula? Hoje, dentro de uma sala de aula, eu vejo muito a falta de uma estrutura familiar. Eu trabalho com adolescentes, eu tenho 14 anos na escola do município “Educador Paulo Freire”. Vejo essa bagagem que os nossos alunos trazem para a sala de aula, que é muito grande. Mudou muito, hoje as famílias são colchas de retalho, pedacinhos. Os nossos alunos, pela idade deles, deveriam ter a responsabilidade de estudar depois que sai do colégio. Mas eu converso muito com os alunos e eles conversam comigo e a gente vê que, além da dificuldade do aprendizado, eles trazem uma bagagem de problemas familiares e conflitos com eles. Nossas crianças e nossos adolescentes estão em conflitos, estão em uma geração que não sabem ouvir um não. Há uma falta de respeito com o professor, eu graça a Deus não sofro com isso, mas a maior dificuldade eu vejo é que eles trazem problemas familiares com eles, assim como a má vontade. Por mais que a gente incentive, é muito difícil alcançar o que eles estão querendo. Nós [professores] precisamos mudar a nossa visão com nossos alunos, enxergar eles realmente com o olhar do coração, ser professor para mim hoje é isso. Não adianta eu entrar lá com a minha disciplina, querer passar o conteúdo e sair, não dá mais. Você precisa conhecer um pouco mais os seus alunos.

Quais as maiores alegrias de um professor na sala de aula? Tenho muitas alegrias. É gratificante quando você está na sala e o aluno te pede socorro porque ele não está bem. A gente tem um diálogo e ouve muito ele, e ver que conseguimos solucionar a problemática juntos é gratificante. Eu tenho uma sorte muito grande de estar em um colégio que tem esse elo com os alunos, estão sempre preocupados e isso é muito bom. É uma alegria muito grande quando a  gente vê que depois de um dia ou dois ele [aluno] mudou e que está melhor dentro da sala de aula. E a alegria maior é que onde eu vou dou o meu testemunho e falo da minha profissão com orgulho e eu digo que os meus alunos são um bálsamo na minha vida e eles sabem disso, porque eu falo para eles. Eles me ajudam a cicatrizar a grande ferida que eu trago no meu coração, é uma ferida muito grande. Mas é um prazer e eu faço com a amor a minha profissão. É gratificante eu saber que todas as manhãs eu estou dentro de uma sala de aula, que eles me ajudam a tocar a minha vida, e eu posso ajudar eles. O nosso objetivo enquanto professores é ajudá-los não só com o aprendizado, mas serem cidadãos cada vez melhores nesse mundo. Eu tenho que acreditar em um mundo melhor, porque se não for assim não tem porque eu estar em uma sala de aula. Estou lidando com gente, e não máquinas ou papéis. Eu acredito muito neles e que vão dar um jeito na situação em que a humanidade se encontra e esse trabalho será feito com o coração.

Foto: Captura da entrevista de Edna concedida ao ‘Nucleo Produtora de Vídeo’. Assista abaixo:

“Eu tenho que acreditar em um mundo melhor, porque se não for assim não tem porque eu estar em uma sala de aula. Estou lidando com gente, e não máquinas ou papéis”

Como você prepara as suas aulas? Então, eu sou professora adjunta na escola Paulo Freire, e professor adjunto trabalha com projetos. Quando falta professor eu estou em sala de aula, eu tenho que estar lá. Eu sou efetiva no colégio e faço o horário de um professor normal, então minha carga horária é toda a manhã das sete hora até meio dia e quinze. Então se o professor de matética faltar, por exemplo, e se ele não deixou a matéria preparada eu entro com minha matéria e já tenho coisas preparadas. Mas de repente eu entro na sala de aula e algum aluno fala de um assunto que ouve no final de semana e traz aquilo. A gente pode e tem a liberdade de trabalhar esse tema junto com eles. Mas aqui em casa eu sempre preparo alguma coisa para eles, alguma coisa da atualidade. Tudo que se trabalha temos devolutiva, que é avaliar a devolver com os apontamentos.

O que gosta de ouvir quando encontra um aluno antigo? É muito gratificante quando eles lembram da gente e quando contam o que estão fazendo, se continuaram os estudos, se formaram ou se estão trabalhando. É muito triste quando a gente encontra alunos que abandonaram os estudos. Esses dias eu estava caminhando e um rapaz pedinte passou por mim e voltou: ‘ Oi professora Edna, lá no Ivete Sala a senhora deu aula para mim’. Doeu ver a situação que aquele rapaz, com 30 anos, se encontra. Mas graça a Deus, a maioria que eu encontro são alunos que deram certo na vida e que me dão aquele abraço gostoso.

Professor pode fazer papel de pai e mãe de aluno? Não pode. O que nós podemos fazer é acolher todos aqueles alunos que trazem alguma problemática da vida deles. Podemos aliviar essa bagagem que eles estão trazendo, mas substituir pai e mãe não. Infelizmente, o que a gente percebe é que é exatamente isso que as famílias estão fazendo: deixando os filhos na escola achando que o papel da escola é fazer o papel da família. Mas não, eu vejo a escola como uma continuação da família deles, já  que ficam a maior parte da vida deles dentro de um colégio. Mas substituir pai e mãe não.

Na sua visão, problemas como rendimento escolar ruim e indisciplina são resolvidos com a reprova do aluno? Não, eu acho que reprovar um aluno por indisciplina não tem muita lógica. Só que ela está ligada com o rendimento, a maioria dos alunos que não tem um bom rendimento são indisciplinados. Mas se a gente se aproximar e analisar o que está acontecendo e o porquê desse aluno não estar rendendo pode ajudar. Qual o papel do professor? aquele aluno que rende não precisa de tanta atenção, mas aquele que está tendo dificuldade temos que chegar mais. O reprovar o aluno faz que no próximo ano ele renda ainda menos. Desde o início ao final do ano, a gente tem que realmente ver toda a problemática do aluno. E as vezes o problema pode não estar no aluno, pode estar no professor, por que não? Nós temos falhas também. No meu ponto de vista reprovar não ajuda.

O que você responderia para quem diz que professor só briga por salário e esquece do aluno? É muito fácil a gente falar do outro e da profissão do outro se você não está na mesma área. A pessoa que julga dessa forma não está dentro de uma sala de aula para ver a situação do professor. Pelo tempo que eu tenho de profissão, eu tive colegas de tudo quanto é tipo e que brigam sim por um salário. Mas esquecer o aluno? é complicado falar sobre isso porque por mais que você esteja descontente com a sua profissão não se deve esquecer do aluno. Até mesmo porque uma sala com quase 40 alunos não tem como esquecer. A pessoa que fala isso não está dentro da realidade do professor. Se for pelo salário você nem fica na profissão, você vai procurar outra área, tem que realmente gostar.

Há como ser professor no Brasil e manter a sanidade? Sim, eu penso que sim, basta ter equilíbrio emocional. Porque a gente se depara com várias situações em sala de aula, como o aluno agredindo um professor, por exemplo.  Tenho colegas que dão aula de manhã, tarde e noite. Antigamente fazíamos isso também, mas nossa clientela era outra. Não tinham uma família “colcha de retalhos”. É muito difícil você conseguir fazer um bom trabalho de manhã, de tarde e a noite. Porque no período da noite, por exemplo, você recebe na sala de aula pessoas que voltaram a estudar, que trabalham durante o dia, estão cansados, não tem vontade e alguns são até agressivos na fala como o professor – e vice e versa. Como balancear isso? a gente é capaz se a gente tiver um equilíbrio emocional em tudo que a gente faz. Cuidar do corpo e do espiritual. Deixar os problemas fora da sala de aula e passar o conteúdo necessário.

Já pensou em desistir? Não, em nenhum momento. Eu não desisto de nada, da luta. Não é fácil, mas desistir jamais, eu amo o que eu faço. Tenho um carinho muito especial pela minha profissão e não vou desistir. Já trabalhei como educadora em outros projetos, e há projetos que servem para ajudar essa garotada, que eu pretendo participar quando eu estiver aposentada.

Assista ao vídeo que traz relatos da vida de Edna, realizado pelo ‘Nucleo produtora de vídeo’:

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