24/04/2019

Pedagoga fala sobre alfabetização de surdos em escolas de Cosmópolis

Dia Nacional da Educação de Surdos: “Eles aprendem sim, tem condições para isso, para se alfabetizar da maneira deles e isso tem que ser respeitado”, defende a pedagoga Carmela Ferreira

Letícia Leme

No dia 23 de abril comemora-se em todo o país o Dia da Educação de Surdos, bem como o Dia do Deficiente Auditivo. A data foi pensada com o intuito de direcionar a população a refletir sobre a importância do assunto, assim como também prover meios de inclusão para os portadores da deficiência. Buscando então, uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas.

Carmela Ferreira é formada em pedagogia em formação de professores para a educação especial, e trabalha em uma das escolas municipais de Cosmópolis onde, atualmente, atende duas crianças surdas. Carmela atua como intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e auxilia no aprendizado desses alunos. “Eu fico no período da sete da manhã até as onze e quarenta com esses alunos na sala de aula, interpretando a aula, auxiliando nas atividades dentro do ambiente escolar mesmo. Eles frequentam toda a rotina da escola, tem aula de educação física, aula de inglês, aulas de música. Eles frequentam tudo e estou sempre acompanhando”, explica.

Apesar das escolas para surdos já existirem no Brasil desde o governo de Dom Pedro II (1857), a língua de sinais só foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país em 2002, 145 anos depois. No entanto, a inserção de Libras, como disciplina curricular obrigatória nos cursos de professores para o exercício dos magistérios médio e superior, só aconteceu em 2005.

Que a educação para surdos é desafiadora não é segredo para ninguém. Inclusive, o assunto ganhou destaque em 2017 quando virou tema da redação do Enem, onde os candidatos precisaram argumentar sobre os desafios para inclusão educacional de surdos no Brasil. O fato de ser pouco trabalhado nas escolas e mídias, fez com que grande parte dos alunos tivessem dificuldades para dissertar. O que chama ainda mais atenção para a questão que a data (23/04) visa trabalhar: inclusão.

A fim de explicar como é desenvolvida a educação para surdos nas escolas de Cosmópolis, Carmela cedeu uma entrevista ao Portal Cosmopolense, onde expõe os métodos utilizados e principais desafios enfrentados na sala de aula. Confira:

Carmela durante as aulas

Como é desenvolvido seu trabalho nas escolas? Os alunos utilizam a língua de sinais para se comunicar, então eu auxilio em cima da língua de sinais, ajudo a professora na adaptação de currículo, de algum material, de atividade que for necessário e assim aplicamos. A aula é normal, a professora está explicando, eu estou perto deles acompanhando os alunos, só que passando em libras. A professora vai fazer a leitura da história com a turma, enquanto isso eu estou fazendo a interpretação em libras e depois ela vai mostrando para toda a turma o livro e nessa parte eles também participam. Atividade de matemática, ela vai ensinando a sequencia numérica de zero a dez. Conforme ela vai explicando eu vou junto fazendo em libras. Depois quando ela dá a folhinha da atividade, eu vou perto auxiliando. A professora também da suporte, mas quando é algum sinal que a criança não entende, neste caso estou junto para auxilia-la. Tudo funciona junto, tudo ao mesmo tempo (…) Acaba sendo uma atenção especial porque eu estou com eles, diretamente interpretando. Enquanto os outros estão se atentando a professora eles estão se atentando a mim e a professora, é um trabalho bem conjunto.

Esses alunos precisam ter um conhecimento prévio de Libras ou eles aprendem na escola? Geralmente as crianças aprendem nas escolas mesmo, não é uma regra ter um conhecimento prévio. Só que o quanto antes a criança for inserida para aprender a língua de sinais, mais rápido vai ser o desenvolvimento dela. Geralmente as famílias descobrem a surdez com uns três anos, daí vai a questão da aceitação, tanto é que até a família aceitar e ir em busca de ajuda, a criança já está na fase de falar, então aí vai atrasando um pouco mais essa questão do aprendizado da língua de sinais, porque depois que a criança entra na escola geralmente que ela tem esse primeiro contato.

Enquanto professora, quais os principais desafios na educação para surdos? A introdução do bilinguismo, que é a Libras ser a primeira língua do surdo, a gente sabe que elas tem que ser ensinada, só que nas escolas se cobra muito a oralidade, se cobra muito a consciência fonológica. Então a criança (ouvinte) aprende  as famílias silábicas – o  BA-BE-BI-BO-BU – ouvindo, e o surdo não. A Libra é uma língua visual, então o principal desafio é esse, a consciência de que o surdo precisa ter acesso a libras como primeira língua dele, por mais que isto esteja sendo trabalhado, estamos caminhando bem devagar, porque infelizmente a nossa língua é oral. Os surdos estão conquistando espaço, mas o principal desafio que eu vejo hoje é esse, entender essa necessidade de se ensinar primeiramente a Libra e o português como língua secundária, onde o aluno aprende a palavra de forma escrita.

O trabalho que você desenvolve com essas crianças tem um bom retorno? Digo, pedagogicamente. O retorno não é tão rápido, porque agora que eles estão iniciando a alfabetização, eles aprendem a libra como primeira língua deles. Então o português a gente ensina da forma escrita, dessa forma eles precisam aprender que tudo tem um nome, que o sinal que a gente usa na língua de sinais, por exemplo para bola, tem um nome. Então ele precisa compreender, precisa de uma certa forma decorar que bola se escreve B-O-L-A. O que não é tão simples, porque a gente aprende ouvindo, por sílabas, pelas letras, a gente sabe que as sílabas de bola é o B com O, que forma o BO, agora para eles não é tão prático assim, então por isso que é um processo um pouco mais demorado, eles aprendem, dão retorno sim, vão evoluindo, mas as vezes não da forma que a gente espera. É muito de criança para criança. As vezes o ouvinte demora até mais que um aluno surdo, depende muito, do estímulo que tem em casa, dos atendimentos que faz por fora, se tem acompanhamento de fonoaudióloga, se tem acompanhamento de línguas de sinais.

Você mencionou sobre o papel da família no processo de aprendizado. Como a família pode atuar de forma que venha contribuir com esse processo? Aliás, qual é o papel da família? A família precisa ser parceira, tem que haver uma parceria entre escola e família sempre. A família precisa aprender Libras para se comunicar com a criança. Os pais precisam levar ao atendimento com a fonoaudióloga, psicóloga. Um desses alunos que eu atendo frequenta o Sepri na Unicamp, que onde é desenvolvida a língua de sinais, eles recebem atendimento psicológico e fonoaudiológico, juntamente com a pedagogia. Lá a família também aprende Libras e também recebe o acompanhamento psicológico. Enquanto as crianças estão em um outro atendimento com a pedagoga e com o instrutor surdo, eles se devolvem bem mais, o processo é bem mais rápido. A família aceitando, a família buscando e trabalhando junto com a escola, ajuda e muito. Então a família precisa aprender a se comunicar com esse filho, com essa criança. Porque a maioria das crianças surdas, são filhas de pais ouvintes, então eles precisam aprender a se comunicar, senão a criança vai ficar sempre isolada e vai ter essa comunicação só na escola? A parceria da  família é fundamental nesse processo.

E o que você considera como “tabu”, no que diz respeito a educação para surdos? Algo que você enquanto pedagoga diria: Não é bem assim. Acho que o principal tabu é em questão do aprendizado mesmo, eles tem uma língua própria, só que ela [língua] tem as características dela. Então eles aprendem sim, tem condições para isso, para se alfabetizar da maneira deles. Eu acho que isso que tem que ser respeitado. Por exemplo, a produção de texto deles nunca vai ser igual a nossa, mas é uma particularidade deles e isso tem que ser respeitado, e a gente as vezes quer que seja da nossa forma e não é assim. Eles têm muito potencial, profissionalmente falando, eu tive alguns alunos que hoje estão aí trabalhando tem rendimento, eles ‘se viram’, tem o grupo deles, saem ao cinema, dentre outros. Tudo dentro das limitações deles, assim como temos as nossas.

E como avalia a educação para surdos no Brasil? Eu acredito que a educação para surdos no Brasil está avançando cada vez mais, acho que eles [surdos] estão ganhando mais espaço, eles estão ganhando mais direito e eu acho que só tende a avançar. A questão da regularização dos intérpretes nos espaços públicos, nas escolas, nas igrejas, eu acho que está avançando cada vez mais, está ganhando força. Ainda falta muito a conseguir, acho que se tem muito ainda a se batalhar, mas há um avanço.

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